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poesia quase todo dia
anêmonas me cultivariam se pudessem
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anêmonas me cultivariam se pudessem

um poema de eduardo furbino

este é "anêmonas me cultivariam se pudessem?", um poema sobre... eu não faço ideia.

anêmonas me cultivariam se pudessem

no leito arenoso do mar

onde a luz ainda lambe a areia

me dariam na boca seu veneno

me ensinariam que todo veneno é uma pequena morte

e que a dor do ácido e do choque na pele

não cabe em caixas longa-vida

nenhuma vida é longa o bastante

e tudo é inconsequentemente breve

uma vez vi uma senhora atravessar a rua

e desaparecer nas fendas da calçada

muitas vezes passei menos dias sóbrio

do que há listras numa faixa de pedestres

(eu não descartaria a possibilidade

de um dia me pavimentar feito calçada

eu jamais negaria a vontade

de engolir tudo o que passa por mim)

desejo que você entenda que

certas limitações não podem ser superadas

que no centro o que há de mais histórico ainda é a beleza do abandono

que prédios são as unhas de uma cidade

e entre seus andares ando pensando em muita coisa:

no fato de alguns bem-te-vis nunca terem me visto

no que sente um arco-íris ao se deparar

com a ausência de carros coloridos nas ruas

no buraco que sempre me surge no peito nesta época do ano

se fosse o oceano a minha casa

eu daria a quem pedisse todos os navios naufragados no meu quintal

eu seria tantas ilhas quanto precisassem

eu deixaria qualquer um ancorar nos portos que construíram em mim

e quando chegasse o último pôr do sol de um ano tão difícil

os convidaria a assistir a luz queimar as minhas águas

enquanto me mantenho alheio aos gestos do fim e do recomeço

enquanto me recomponho para a chegada da próxima lua cheia

a única coisa que pode transformar em revoltas

as águas calmas da minha desistência de tudo

eu desistiria de tudo mais uma vez

eu alimentaria esperanças sem pestanejar

feito faziam os servos feudais eu araria campos emprestados

para que anêmonas me cultivassem se pudessem

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este é o poesia quase todo dia, um podcast onde te entrego poesias e prosas curtas escritas por mim, eduardo furbino, um escritor & artista visual mineiro que vive em são paulo. vez ou outra, leio também textos de pessoas que me inspiram. veja mais poemas no instagram: @edufurbino
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