este é "anêmonas me cultivariam se pudessem?", um poema sobre... eu não faço ideia.
anêmonas me cultivariam se pudessem
no leito arenoso do mar
onde a luz ainda lambe a areia
me dariam na boca seu veneno
me ensinariam que todo veneno é uma pequena morte
e que a dor do ácido e do choque na pele
não cabe em caixas longa-vida
nenhuma vida é longa o bastante
e tudo é inconsequentemente breve
uma vez vi uma senhora atravessar a rua
e desaparecer nas fendas da calçada
muitas vezes passei menos dias sóbrio
do que há listras numa faixa de pedestres
(eu não descartaria a possibilidade
de um dia me pavimentar feito calçada
eu jamais negaria a vontade
de engolir tudo o que passa por mim)
desejo que você entenda que
certas limitações não podem ser superadas
que no centro o que há de mais histórico ainda é a beleza do abandono
que prédios são as unhas de uma cidade
e entre seus andares ando pensando em muita coisa:
no fato de alguns bem-te-vis nunca terem me visto
no que sente um arco-íris ao se deparar
com a ausência de carros coloridos nas ruas
no buraco que sempre me surge no peito nesta época do ano
se fosse o oceano a minha casa
eu daria a quem pedisse todos os navios naufragados no meu quintal
eu seria tantas ilhas quanto precisassem
eu deixaria qualquer um ancorar nos portos que construíram em mim
e quando chegasse o último pôr do sol de um ano tão difícil
os convidaria a assistir a luz queimar as minhas águas
enquanto me mantenho alheio aos gestos do fim e do recomeço
enquanto me recomponho para a chegada da próxima lua cheia
a única coisa que pode transformar em revoltas
as águas calmas da minha desistência de tudo
eu desistiria de tudo mais uma vez
eu alimentaria esperanças sem pestanejar
feito faziam os servos feudais eu araria campos emprestados
para que anêmonas me cultivassem se pudessem
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