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poesia quase todo dia
transatlântico
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transatlântico

poema de eduardo furbino
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este é "transatlântico":

de bruços e de quatro muita coisa foi feita

(partir depois da meia-noite é um parto antinatural

quem já ficou até tão tarde não tem razão para ir

o calabouço que é uma cama vazia

meu deus)

eu preferiria mil vezes nunca ter me deitado

nem ter te dado aquele dedo para chupar

preferiria que esses lençóis acetinados

não tivessem experimentado seu suor e seu gozo

que minhas coxas não conhecessem seu toque

para que reconhecê-lo não tivesse se tornado um fardo

de costas e de lado esse mundo foi criado

o nosso mundo

quatro paredes e ar rarefeito

ali está seu peito aberto para que sobre ele eu passe altivo

um fodido um rascunho limitado de homem

e ainda assim um homem que te dobra e derrete

que dança sobre seus ombros feito uma labareda solar

você tem na barriga o vulto da fome

mas não a sente

tem sobre a pele escamas de serpente

mas não as conquista

carrega no bico do peito o termômetro do mundo

mas nunca o usa

quando falávamos sobre aquele filme

quando minha mão estava entre suas pernas

e minha boca engolia suas pequenas mortes

uma a uma

ali você deveria ter me deixado

ali deveria ter me dito

é aqui que fico

é por isso que tenho esperado

é onde me sei inteira que me sinto viva

e para não me partir eu parto

eu te amei feito uma besta ancestral

sim e foda-se

você me amou como uma montanha a um vale

um gato à ausência

uma velha carpideira ao momento em que a morte

a faz desfiar sua crença

e nada disso importa

o tanto que a gente se gosta

dane-se

é precisamente o amor o que te ensina

a se despir de mim para se vestir da pele que é sua

(uma pele com aquelas escamas de serpente)

sim,

eu ainda te levaria à planície do quarto

chapiscaria as paredes com seu nome

e onde quer que não me ocupasse de você

entoaria uma oração ao tempo

para que minhas horas tivessem de novo o ritmo do seu fôlego

e onde nos encontrássemos seria ali

e em nenhum outro lugar

o eixo do nosso mundo

a linha imaginária de um trópico de capricórnio

que cruza com violência uma praia vazia e ensolarada

no rio de onde você vem

no rio que te deu a vida desembocam minhas águas

é onde somos por instantes uma mistura líquida

até que a física da distância nos dilua num atlântico

onde nos reencontramos embarcados

nas nossas vontades

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poesia quase todo dia
este é o poesia quase todo dia, um podcast onde te entrego poesias e prosas curtas escritas por mim, eduardo furbino, um escritor & artista visual mineiro que vive em são paulo. vez ou outra, leio também textos de pessoas que me inspiram. veja mais poemas no instagram: @edufurbino
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