“violinista nos cobogós” é um poema que escrevi este ano. espero que goste.
o que você acha dessas coisas
todas que fizemos?
há um imóvel no centro onde
as escadas têm mais cupins do que
há moradores no centro
e as asas deles cobrem o chão
como saias caídas de virgens
guardanapos num restaurante chique
há certas coisas tocando o chão
que foram destinadas à boca
há bocas que desconhecem seu papel
e por isso na praça ao lado dos imóveis vazios
pode-se ver pessoas esfomeadas
com a mesma naturalidade que se vê
atrás dos vidros de shoppings
barrigas cheias e cabelos armados de laquê
(o cuspe das madames contém mais calorias
que muitos ceps)
a última vez em que fui a uma ópera chorei
(me senti old money)
nunca chorei em jogos de futebol
choro em filmes
com músicas
não choro lendo livros
de certa forma homens e palavras não
me causam nenhum espanto
mas a voz sim
a voz é a coisa mais bonita que uma boca
pode fazer sozinha
quase todas as outras belezas demandam
dois ou mais pares de bocas
mas ainda há palavras belas o bastante
para serem ditas em solidão
como um nome próprio ou a estrofe final
de um poema do arvis viguls que diz:
determinam a idade de um cavalo pelos dentes,
a idade das dores – pelas cicatrizes
e, no entanto, ainda sou muito jovem
aqui – e isso precisa ser dito num sussurro –
ainda há espaço de sobra
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