oi oi, espero que esteja tudo bem contigo! são paulo hoje amanheceu cruelmente chuvosa e odeio climas assim, então pensei em falar contigo de novo essa semana. sempre bom estar perto de quem a gente gosta quando a cidade que a gente gosta parece ter desistido de nós.
sério, olha isso:
mas vamos ao texto que a gente ganha mais.
gosto muito do poema que estou te mandando, escrito lá em 2017, época em que eu estava testando o formato longo e narrativo. recentemente voltei a escrever coisas longas, então aproveitei para resgatar esse do baú. espero que goste e que não esqueça o casaquinho se for sair de casa hoje. até logo!
última cruzada
não há porre que consiga apagar
a memória de ter estado no topo do mundo, vivo e forte
e rolar de lá feito uma pedra gigante
esmagando tudo pela frente
como num filme do indiana jones
o topo do mundo é menor que o everest
é uma escada comprada na leroy merlin
o topo do mundo serve para acharmos que chegamos a algum lugar
de onde vamos avistar as coisas que queríamos ter
o emprego estável, o carro novo aromatizado
cheirando a morango depois da lavagem que custa mais caro
que metade do salário de um operário assalariado
isso se você ainda conseguir encontrar um operário assalariado
se a crise não tiver engolfado todo mundo
e todos começarem a recorrer desesperadamente aos cigarros
como válvula de escape que nos deixam escapar livres pela vida
e a philip morris se tornar a empresa mais lucrativa do mundo
e você passar a esperar numa fila gigante durante semanas
só pra comprar um modelo novo de cigarro
que eles lançam todos os anos, sempre iguais
e, de alguma forma, talvez isso vai parecer fazer mais sentido
que a possibilidade de um dia encontrar paz
durante o caminho de volta pra casa, vindo do trabalho
ou na mesa do café da manhã
ou na mesa com o hp velho empoeirado
ou com o mac novo de alumínio escovado
ou qualquer outra distração que ponham na sua frente
pra tirarem o foco do que você realmente quer
que você certamente não sabe o que é
assim como não sabe de onde veio essa dor nas costas
e se vai ter forças suficientes pra voltar do supermercado a pé
carregando nos braços suas compras
e se vai haver alguém pra comer com você
quando tentar cozinhar um prato no sábado à noite
sem saber cozinhar de verdade, copiando receitas da internet
estabelecendo um vínculo íntimo e secreto com a palmirinha
questionando por que você se meteu nessa
esperando ver a resposta no fundo da taça cheia de vinho
só pra descobrir que respostas não se acham sozinhas
nem se escrevem com o vidro quebrado no chão da cozinha
quem tem respostas não precisa da palmirinha
quem tem respostas nunca fez as perguntas
e você, que tem o que tem, tem mais do que precisa saber
e ainda assim anda pelo mundo evitando chegar ao topo
evitando subir a escada de alumínio e avistar o que quer
esmurrando teclados e cuspindo faxes, que nem existem mais
você que tem a receita e tem a faca e o queijo
e o molho e as panelas e o sábado e a cadeira e a vela
e alguém sentado entre a cadeira e a vela
deixa seus minutos serem transformados em lucro
e seu coração ser enfraquecido por tentar ser tão forte
mas não se esqueça que não há porre que consiga apagar
a memória de já ter estado no topo do mundo, vivo
e rolar de lá feito uma pedra gigante
que não importa o quanto tente
não consegue nunca esmagar nem o corpo, nem a mente
de indiana jones
uma música
tem tempo que não recomendo uma música, né? tenho escutado muita coisa nova ultimamente, renovando minhas playlists e buscando inspiração em lugares onde meus ouvidos ainda não foram. essa é uma das que mais têm tocado por aqui: