tudo o que me traz ao chão é uma casa & meu primeiro livro
a migração entre estados de espírito e da federação
alô, como estão as coisas? logo depois do texto desta edição você vai saber tudo sobre meu primeiro livro de poesia. até lá!
i.
andam nubladas as cidades por onde ando. o rio estava tão cinza quanto são paulo, quando o deixei na última quinta. chegando em casa, a consolação me recebeu com chuva e ventos tão fortes que árvores — nos poucos lugares onde há árvores — tiveram seus galhos arrancados, como se a natureza fosse um jardineiro prolífico, embora desajeitado, desses que há anos nosso prefeito se esquece de contratar.
houve até um teto de shopping que saiu voando em outro bairro, provavelmente a coisa mais paulista que poderia acontecer durante uma tempestade.
hoje, nesta manhã de domingo que tirei para me corresponder com você, a cidade segue nublada. estou sentado na diminuta praça rotary, perto de casa e em frente ao meu café favorito, caçando frestas de sol para me aquecer enquanto o silêncio das sombras sempre cinzentas desse lugar faz de um tudo para me engolir.
resisto.
ii.
você já se sentiu um estrangeiro em casa? estou há trinta e cinco anos num constante estado de migração. nasci no interior de minas, onde estive um terço da vida. o próximo terço vivi em beagá, de onde saí em 2013 para viver o terço seguinte em são paulo.
a última vez que me senti em casa foi na infância passada no interior. as capitais me conectaram ao mundo, mas o mundo não é minha casa. minha casa é um quintal com assoalho de terra batida e teto feito de céu.
você talvez me pergunte se não confundo casas com a saudade, no que te responderei que sim: para mim, uma casa é o lugar onde reside a lembrança de quem somos, daquela parte de nós que grita com mais força que as outras vozes: esse sou eu. seja um menino com medo do amor, um adulto cansado do trabalho, ou um velho que decide recomeçar bem próximo ao fim.
o que somos — em perpétua mudança — pede uma casa onde se abrigar das forças no mundo que desejam nos transformar na mesma substância da qual são feitos os outros. por isso, acredito, lembro da casa onde cresci com três dos meus quatro irmãos, meu pai, minha mãe e minha avó, como o lugar que mais abrigou quem sou, onde melhor experimentei o mundo — sem compreendê-lo, mas também sem medo de me mostrar a ele.
acho que a infância é isso: uma aposta em nós mesmos, sem sequer sabermos das nossas chances. das chances de darmos certo, de sermos aceitos, de termos sucesso…; e das chances de sermos felizes: acreditar que demos certo, que que fomos aceitos, que temos sucesso…
minha vida nas capitais coincidiu com longos períodos nos quais coloquei toda minha energia na procura de compreender o que os outros esperavam de mim e na tentativa de corresponder aos desejos alheios. foram épocas nas quais fui aceito, em que fiz sucesso e não fui feliz.
iii.
agora, aos trinta e cinco, embarcando no terceiro terço da minha vida ligeiramente mais esperto e surpreendentemente mais esperançoso, entendo finalmente o que é meu e o que é seu e, com todo o respeito, jogo o que é seu na lata de lixo da minha história.
é só agora que, ao me olhar no espelho, me vejo com os olhos que habitaram minha casa da infância e resgato do reflexo o homem que sou, os receios que tenho, meus anseios e desejos. aquilo que me faz eu. entendo melhor do que nunca cada parte de mim e vejo com clareza novos caminhos a seguir — que daqui me levarão para um novo destino, uma nova cidade, um novo território.
abriu o sol na praça, finalmente. as frestas solares se transformaram em manchas de luz que atravessam as copas das árvores, aquecendo o tampo de concreto da mesa de onde te escrevo.
o calor do sol é velho e novo, porque o calor do sol desperta em nós muito mais que a pele e os sentidos. tal qual uma casa, o sol que nos toca é também guardião de uma muito específica memória: a de que podemos estar aqui como de fato somos, muito mais do que como nos fizeram ser.
meu primeiro livro de poesia
a news de hoje é muito importante por dois motivos:
primeiro, porque marca a retomada da nossa correspondência semanal.
segundo, porque ela chega no mesmo momento em que a pré-venda do meu primeiro livro de poesia, trocando socos com o fim do mundo, que sairá pela editora devir, poesia e prosa em novembro!
“trocando socos com o fim do mundo” documenta uma longa luta na qual poemas enfrentam seu autor em 99 rounds de puro sangue, suor e lágrimas. a arena é a modernidade: o antropoceno, essa época em que a ação humana se encarrega de moldar terras, vidas e tempos. a cada capítulo, temas distintos sobem ao ringue para desferir seus golpes: do amor na era da indiferença ao trabalho no século do esgotamento. em meio a muitas derrotas e vitórias, o livro vai se construindo como um relato íntimo do flexionamento de um corpo em busca de se adaptar à sua época, sem perder pelo caminho aquilo que o faz ele.
você pode comprar o livro agora no site da devir e me ajudar a espalhar meus poemas por aí :)
uma música
nos últimos meses tenho escutado mpb mais do que a média (que já é muito alta). hoje quero dividir contigo catendé, nas vozes de vinícius e maria creuza. amo o trecho abaixo e acho que ele casa lindamente com o texto de hoje:
varre a voz o vendaval
perdido no céu de espanto
meu barco fere a distância
no disparo da inconstância
me encontrei sem me esperar
quanto mais o tempo avança
Mais me perco neste mar
e no rumo do segredo
caminhei todo o caminho
Eduardo, que bom ler suas palavras!
Muitos ensaios de casa para, finalmente, morar em si mesmo não é?! Também comecei essa jornada aos 35. Hoje, aos 40, tudo é diferente. E sigamos, meu querido!
Boa sorte com o livro!
Sua escrita é necessária!
Seja bem-vindo de volta!
Até breve!