oi, tudo bem com você?
a edição de hoje traz textos que falam sobre abandono. foram escritos em épocas muito distintas, dois deles muitos anos atrás, e retratam um pouco a dificuldade de se relacionar com outras pessoas sem deixá-las se perderem de si mesmas no processo e também sem nos deixarmos nos perder de nós.
espero que você goste. se gostar, compartilhe a newsletter com outras pessoas e me ajude a divulgá-la :)
bom domingo e boa semana!
eu, que sei de nada tão bem que sei de quase tudo, não soube te perder. te larguei em um canto murchando, perdendo o encanto, telepata incomunicável, rosa se tornando branco — átomos se esfarelando em nêutrons de negatividade. não pude ganhar, mas tentei tanto que as derrotas se avolumaram feito pódios e lá de cima vi tudo abaixo: rotas alteradas pelo desejo, o óbito de esperanças mortas pelo medo. não falo, não dou as desculpas que peço e esse pedaço de autossuficiência que sou vagarosamente é consumido pela memória. teço redes de saudade onde dormir; acordo suado, sem corpo ao lado. você em outro canto, apagada, a voz distante, inaudível como o silêncio em Marte, como o oco da ausência. te bebia em goles, te comia em pedaços, e hoje restam só copos e pratos, os entulhos e os restos, as feridas abertas. curar com o que? o tempo, o caralho do tempo, passou faz tempo.
eu queria te dizer que teu café é ruim que todas as vezes que a gente transava eu pensava na marta que trabalhava comigo e deu pra mim na escada daquela festa da firma enquanto nós dois estávamos brigados eu queria que você soubesse que na verdade eu não acordo de madrugada suado desde menino só quando você tá na cama ao meu lado e que eu não sei como ou quando isso começou nem acho que vá passar, porque nunca passou eu queria te dizer que das coisas que você me fala sei que só metade é verdade e que a outra metade é futuro que passou do prazo de validade queria contar que sei sobre o seu caso e que a gente mente demais um pro outro e se machuca tanto que eu fico pensando: quanto mais tem que doer pra provar que é amor? que se for assim, talvez não seja, nem nunca foi e nessa de não falarmos o que nenhum quer ouvir a gente se perde do que mais importa eu queria te dizer que ao abrir essa porta espero que você saia pra nunca mais voltar talvez assim eu volte a dormir em paz e não tenha que te dizer nenhuma dessas coisas nem arrematar no final de um jeito fingido lamentando o que poderíamos ter sido
não espero me recuperar tão cedo. eis que a incerteza se tornou uma arma e a empunho contra mim tanto quanto miro seu gume contra o mundo. não tenho a ilusão de deixar de ver o passado passar pela minha cabeça e por não ser assim afeito a truques de luz me derrete o peito ao pensar que aquilo que encontramos pelo caminho são só as partes perdidas dos outros
uma música
estou viciado em templo, do chico césar. na verdade, estou viciado em muitas músicas do chico, mas essa é a que mais tem tocado por aqui. gosto dos últimos versos dela, para os quais tenho uma interpretação muito peculiar:
inca maia pigmeu
minha tribo me perdeu
quando entrei no templo da paixão