tentando retomar a frequência da newsletter. espero que você curta esses textos. responde este e-mail dizendo o que achou, se quiser. vamos conversar :)
muitas vezes desejei que uma boca de lobo me engolisse e me cuspisse na sua vizinhança. ouvi dizer que há mais rios soterrados sob são paulo que ruas pelas quais já andamos. tanta água represada me parece um desperdício. queria lançar meu corpo em uma vazão amazônica capaz de romper represas, queria que meus cotovelos metessem medo em pontes, que minhas escápulas fossem os barcos nos quais navega seu êxodo — e que rios cinzas e mares vermelhos se abrissem à minha frente com igual reverência, a ponto de me questionar se há em mim algum poder extraordinário ou se, ainda mais surpreendente, a natureza tenha entendido que nada deve se interpor entre meu desejo e eu.
isso aprendemos sem que ninguém nos ensinasse, além de nós mesmos. parecia óbvio, mas demoramos anos para poder dizê-lo com certeza, olhando para frente de um jeito que era também olhar para trás, ansiando que o futuro fosse apenas outro nome para o passado que construímos. assim criamos uma vida, um lar, e descobrimos juntos, sem não mais esquecer, que uma casa é o corpo do amor.
não devo sangrar num texto, me desculpe de antemão. tudo aqui anda meio confuso, tudo parece uma extensão de uma vontade mal concluída. não devo querer mais do que posso ter, nem abrir as veias como se fossem canais no panamá, ou exigir do peito que caiba mais do que eu saberia colocar em uma despensa, em uma estufa que seja a única coisa se interpondo entre matas atlânticas e a sobrevivência. não devo escolher o que o tempo vai me dar, não devo me preocupar com o amanhã, nem me apegar excessivamente ao que fantasio como hoje. viver é longo demais, eu sei, e ao mesmo tempo a brevidade desse tempo é o que mais assusta. como pode algo tão curto nos marcar tão profundamente? queria entender o que me separa dos animais, o que me difere de uma briófita. entender de verdade, mais do que aprender o que nos ensinaram na escola. queria poder escrever em um papel muito pouco amassado o reino, filo, classe, ordem, gênero e espécie daquilo a que chamo de dor; poder ressignificar tudo isso como uma forma alternativa de paz ou (se ainda tiver sorte) de amor. é muito o que peço, eu sei, mas ao mesmo tempo é mais do que consigo lidar. não devo me alongar mais que isso. o tempo é uma tentativa de deus de nos dominar, entendo, mas não posso negar que não estou entregue, que não olho para um relógio como uma sentença de morte e de vida, que me aprisiona à liberdade de viver sem saber viver. sem saber, isto é, o limite do que posso ser.
a intimidade é uma terra arrasada. você fica, mas suas sombras vão embora. você permanece como uma resposta a uma pergunta há muito esquecida. o coador passa o café, o tempo escorre por nós. há tanta coisa aqui, um tanto que não vi… a intimidade é um pântano que nos traga não para suas águas, mas para o mundo que havia antes do mundo, quando tudo ainda era possível e a solidez da terra não passava de um sonho dos peixes.