notas sobre a necromancia do não algoritmo
em que revivo os feeds rss porque estou cansado das timelines
eu sei, você não deve mais aguentar ouvir falar desse assunto, mas não é problema meu: de um tempo para cá, venho diminuindo o uso das redes sociais.
diminuí não só o consumo de conteúdo, mas também quanto dele produzo. aliás, conteúdo é uma palavra bem escrota, né? antes do advento dos instagrams-twitters-facebooks, conteúdo era o que estava contido dentro de uma embalagem — uma definição estética e funcional popularizada pelo industrialismo desenfreado que nos aflige desde o século XIX.
o que antes era um produto descaracterizado, fruto do processo de produção impessoal e estéril que bombeia sangue para o coração do capitalismo, é agora também aquilo que nós, pessoas ligadas às artes, somos pedidos (encorajados (obrigados)) a produzir para manter nossas existências nessas redes sociais. etc, etc.
“conteúdo” é uma palavra absurda e sua lógica nos alheia de nós, substituindo a pessoalidade da arte por uma lógica de conquista (e domínio) de outras subjetividades: produzimos porque precisamos alimentar bocas mantidas perpetuamente esfomeadas pelos algoritmos.
ok, passeei um pouco pela tangente, mas o ponto desta nota é que estou mudando como consumo e utilizo as redes, razão pela qual tenho me apoiado cada vez mais nesta newsletter. todo abandono só é completo se fica nele algo da presença, da companhia, então tem sido reconfortante — familiar? — encontrar alguns de vocês nesses outros lugares não algorítmicos que eu e muitas outras pessoas que escrevem passamos a habitar.
este não é um convite para assinarem a newsletter, caso ainda não o façam. para o propósito dessa nota, pouco importa. é um convite, no entanto, para que você estenda (se não for possível substituir) seu uso da web para plataformas que não dependam de algoritmos para existirem e distribuírem seus “conteúdos”, onde a construção de uma comunidade verdadeiramente horizontalizada se torna, então, possível.
newsletters são uma dessas possibilidades, mas não a única (inclusive, existem inúmeros problemas com certas plataformas que fagocitaram o conceito recentemente, como o substack, por onde publico este texto. a respeito do substack, encorajo que leia as declarações sobre moderação de conteúdo feitas pelos seus criadores no passado e em dias recentes. estadunidensamente patético.)
outra opção são os leitores de rss. sim, aquelas coisas arcaicas, há muito mortas ou abandonadas, que usávamos nos primórdios da internet para seguir nossos portais e blogs favoritos.
diante do meu crescente abandono dos feeds algorítmicos, precisei modificar como encontro notícias, artigos e outras mídias que me interessam. para isso, recorri a um app (uso o reeder, mas há inúmeros outros gratuitos e pagos) que já utilizei no passado, onde adicionei todos os feeds rss dos sites, podcasts, canais do youtube, newsletters e perfis sociais que acompanho ou quero acompanhar. o resultado é um lugar privado, onde tenho acesso a uma diversidade de “conteúdos” entregues de forma linear, livres de algoritmos, ordenados segundo sua data de postagem. em 2025, parece mágica!
claro que o uso de feeds rss torna minha experiência com a web profundamente e perigosamente individual, posto que atuo como meu próprio filtro do que ver-e-saber (função antes delegada às redes). encaro isso positivamente, no entanto. é ilusão, aliás, pensar que as redes nos entregam o contraditório, algo diferente daquilo que já pensamos.
desde o começo do processo civilizatório da nossa espécie, a busca pela alteridade sempre foi um processo ativo. sempre estivemos constritos às nossas comunidades, aos lugares geográficos que habitávamos. em épocas recentes, deixamos a construção da alteridade nas mãos de grandes corporações e seus donos. retomar a ação por trás desse processo tão significativo é interessante, embora exija uma boa dose de atenção para que o diferente não seja posto de lado também por nós.
enfim, como absolutamente tudo na vida, a escolha de um método demanda o abandono de outros, e a adoção dessas plataformas não algorítmicas não é um remédio milagroso. mas tem, preciso confessar, um gosto muito mais doce que o do veneno que nos é entregue, todos os dias, por nossos amados bilionários e suas timelines.
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Excelente texto. Retornei para os rss desde que saí do Facebook, lá por volta de 2020. É realmente outra experiência, a web volta a aparecer um lugar interessante e com alguma possibilidade.
Sobre a individualização, me pergunto quanto da experiência do feed algoritmo é realmente coletiva. Quanto conseguimos compartilhar dela em outros espaços que não o do algoritmo. Digo, são milhões de memes e infos que a gente mal consegue comentar fora da Internet. Quando consegue é meio que numa reprodução caricata das opiniões que rolam nela, mas fora dela.
Sabe aquele papo em que um vira pro outro e pergunta: -Cara você viu tal fofoca na Internet? -Sim!! -Muito doido né? -Kkkkk.
Sabe? O meu consumo "individual" acaba rendendo boas conversas depois. Inclusive dá vontade de falar sobre um texto bacana que li ou sobre uns vlog que acabei de conhecer. No fim de tudo gera mais conexão, mesmo fora da Internet.
Amigo, também tenho pensado demais meu uso das redes, e a interferência dos algoritmos me incomoda desde que o Twitter começou a abandonar a timeline cronológica. Falar nisso me traz muito pesar, não só porque essa mudança da minha ferramenta favorita já foi feita há tantos anos, mas também porque as outras que vieram em seguida transformaram em um negócio completamente diferente daquilo que a gente amava há dez anos. Já aceitei que não consigo largar o twitter, então tô tentando racionalizar um pouco o uso do instagram e tentar entender os efeitos que ele causa em mim. Vamos nos ajustando.
Mas acho que não consigo migrar pra RSS não kkk