oi, como você tá? pelo visto não rumo ao hexa, né? (desculpa, foi cedo demais)
conforme a gente vai se encaminhando para o fim do ano, vão surgindo na minha cabeça uns temas recorrentes dessa época: casa, família, conexões, reconexões, comida. dezembro nunca foi uma época muito fácil e esse ano está sendo particularmente interessante sobreviver a esse mês, mas tudo indica que vai dar certo.
separei para hoje três textos curtos que escrevi nas últimas duas semanas: o primeiro é uma poesia de fim de ano; o segundo é um band-aid; e o terceiro é meu lado romântico me obrigando a colocá-lo para fora.
obrigado por ler e até semana que vem!
i.
anêmonas me cultivariam se pudessem no leito arenoso do mar onde a luz ainda lambe a areia me dariam na boca seu veneno me ensinariam que todo veneno é uma pequena morte e que a dor do ácido e do choque na pele não cabe em caixas longa-vida nenhuma vida é longa o bastante e tudo é inconsequentemente breve uma vez vi uma senhora atravessar a rua e desaparecer nas fendas da calçada muitas vezes passei menos dias sóbrio do que há listras numa faixa de pedestres (eu não descartaria a possibilidade de um dia me pavimentar feito calçada eu jamais negaria a vontade de engolir tudo o que passa por mim) desejo que você entenda que certas limitações não podem ser superadas que no centro o que há de mais histórico ainda é a beleza do abandono que prédios são as unhas de uma cidade e entre seus andares ando pensando em muita coisa: no fato de alguns bem-te-vis nunca terem me visto no que sente um arco-íris ao se deparar com a ausência de carros coloridos nas ruas no buraco que sempre me surge no peito nesta época do ano se fosse o oceano a minha casa eu daria a quem pedisse todos os navios naufragados no meu quintal eu seria tantas ilhas quanto precisassem eu deixaria qualquer um ancorar nos portos que construíram em mim e quando chegasse o último pôr do sol de um ano tão difícil os convidaria a assistir a luz queimar as minhas águas enquanto me mantenho alheio aos gestos do fim e do recomeço enquanto me recomponho para a chegada da próxima lua cheia a única coisa que pode transformar em revoltas as águas calmas da minha desistência de tudo eu desistiria de tudo mais uma vez eu alimentaria esperanças sem pestanejar feito faziam os servos feudais eu araria campos emprestados para que anêmonas me cultivassem se pudessem
ii.
tenho tapado buracos existenciais com arroz doce, metaforicamente falando (quase sempre). tenho a sorte de ter nascido em um país onde a comida brota de qualquer restinga de terra, embora uma parte de mim saiba que eu jamais sobreviveria se minha existência dependesse de pés de feijão. para se cozinhar feijão é preciso antes catar as pedras (e ainda não me dou bem com nada que é sólido).
quando começar a ferver, abaixe o fogo, tampe parcialmente a panela e deixe cozinhar por 30 minutos. Mexa de vez em quando para soltar o amido do arroz e, assim, formar um doce cremoso. Lembre-se de tampar (parcialmente) a panela todas as vezes que mexer.
— Rita Lobo
iii.
fiz uma pesquisa minuciosa pelo significado do seu nome; concluí que você não está em nenhum dicionário. encontrei uma breve menção em um velho obituário na folha da manhã, uma página amassada com os cantos corroídos por traças. hoje em dia, sonho em ver fantasmas.
uma música
segundo o last.fm (que nunca mente), na semana que passou ouvi how bad i wanna live, da Maya de Vitry, no repeat mais vezes do que era saudável. não me arrependo de nada.
olha isso:
oh but I’m so happy knowing how much more I wanna give yeah and I’m so happy knowing just how bad I wanna live here on my knees on the wet red clay death sings below in the ocean all you goats and angels, I'm not dying today I’m not dying today, I'm not dying
é bom demais estar vivo e viver pra contar.